A fraude contra credores e a fraude à execução

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 1.217.593-RS pela 3ª Turma e sendo relatora a Ministra Nancy Andrighi, afirmou: “quando o ato do devedor é feito por instrumento particular, para fins de se constatar a anterioridade do crédito em relação ao ato fraudulento, nas hipóteses em que existiu o conluio fraudatório, deve ser considerada a data do registro do instrumento particular, e não a da sua elaboração. Permitir o contrário acabaria por enfraquecer o instituto da fraude contra credores, dada a facilidade em dar a um documento uma data falsa e, ao mesmo tempo, a dificuldade em demonstrar essa fraude.”

A discussão envolvia a alienação de imóvel celebrada por instrumento particular em data anterior ao crédito assumido, mas averbada na matrícula imobiliária em data posterior. Afirmava o recorrente (e devedor), que o artigo 106 do Código Civil de 1916, então vigente, exige para a configuração da fraude contra credores, além da prova de consilium fraudis e de eventus damni, da anterioridade do crédito em relação ao ato de compra e venda.

A interpretação que prevaleceu, porém, foi de que apenas com o registro da promessa de compra e venda é que se pode opor, em relação a terceiros, a relação contratual, sob pena de facilitar a simulação e “enfraquecer o instituto da fraude contra credores, dada a facilidade em dar a um documento uma data falsa e, ao mesmo tempo, a dificuldade em demonstrar essa fraude.”

E agiu com absoluta correção a decisão comentada, ao preservar a aplicação do instituto da fraude contra credores aos casos em que efetivamente existirem outras provas a corroborar a anterioridade da alienação que se busca anular.

Embora não se possa exigir, para todos os casos, a efetiva averbação da promessa ou até o registro da compra e venda perante o Registro de Imóveis competente, deve a transação ser confirmada por outros elementos, como a posse, pagamento de impostos, taxas condominiais, declaração em imposto de renda, etc.

Noutra recente decisão, porém, o Superior Tribunal de Justiça entendeu de reconhecer a ineficácia de sucessivas transações de imóveis que pertenciam aos devedores, porque na cadeia de alienações a sua anulação envolveria terceiros de boa-fé, sendo limitada a responsabilidade aos adquirentes de má-fé (REsp nº 1.100.525 – RS).

Como não seria possível a anulação dos negócios e a restituição das partes ao estado em que se achavam antes do ato, autorizou a indenização com o equivalente ao valor dos imóveis.

Por outro lado, é importante distinguir a fraude contra credores (Código Civil, art. 158) e que acarreta a anulação (ou ineficácia) do negócio jurídico, da fraude à execução (CPC, art. 593), eis que essa última acarreta sempre a desconsideração ou ineficácia (nunca a anulação) do negócio jurídico, permitindo que o bem responda pela obrigação decorrente de ação judicial.

Nelson Nery Júnior bem define a fraude à execução, afirmando: “consiste na alienação ou oneração de bem do devedor, na pendência de ação judicial capaz de levá-lo à insolvência (CPC, art. 593, II). Essa ação pode ser de conhecimento ou de execução. O devedor tem ciência de que pende ação contra ele, mas, mesmo assim, aliena ou onera o bem, fraudando a execução.” (Código Civil Comentado, 10ª ed., ed. RT, p. 429.)

E o devedor que “fraudar execução, alienando, desviando, destruindo ou danificando bens, ou simulando dívidas”, comete o crime previsto no art. 179 do Código Penal.

Logo, como se verifica, a legislação nacional não é leniente com a simulação de negócios jurídicos com o objetivo de afastar a responsabilidade patrimonial.

E quando a boa-fé e a lisura de todo e qualquer negócio não estiverem presentes, existem mecanismos para a correção de atos praticados em fraude à lei e com objetivos espúrios.

Autor: Sergio Eduardo Martinez, OAB/RS 32803

Email: sergioeduardo@martinezadvocacia.com.br

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2 ideias sobre “A fraude contra credores e a fraude à execução

  1. Luia Fernando Godo

    Uma dica prática para potencializar o uso do instrumento particular no que tange a evitar a caracterização da fraude ao credor ou a execução é fazer o reconhecimento de firma da assinatura dos contratantes, logo após a sua concretização. O ato de reconhecimento de assinatura por meio de oficial de cartório extrajudicial estabelece, com alguma precisão, a data a qual foi firmado o negócio.

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    1. Martinez Advocacia Autor do post

      Concordo, mas como referimos no artigo “deve a transação ser confirmada por outros elementos, como a posse, pagamento de impostos, taxas condominiais, declaração em imposto de renda, etc.”, já que a simples assinatura do contrato, ainda que com o reconhecimento de firma, não é prova suficiente para confirmar e comprovar a efetiva venda do bem imóvel. Obrigada por acompanhar nosso blog, abraço!

      Responder

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