A execução provisória e a impossibilidade de cobrança de multa e honorários advocatícios

A execução provisória da sentença está prevista no artigo 475-0 do Código de Processo Civil, cuja redação foi atribuída pela Lei Federal nº 11.232 de 2005. Tal modificação foi introduzida na reforma realizada no Código de Ritos (Lei Federal nº 5869/73), que buscou imprimir maior celeridade e efetividade às decisões judiciais, criando um novo modelo de execução de sentença condenatória.

A propósito da efetivação da entrega mais célere da prestação jurisdicional, afirmou Humberto Theodoro Júnior[1]:

“O direito processual civil do final do século XX deslocou seu enfoque principal dos conceitos e categorias para a funcionalidade do sistema de prestação da tutela jurisdicional. Sem desprezar a autonomia científica conquistada no século XIX e consolidada na primeira metade do século XX, esse importante ramo do direito público concentrou-se, finalmente, na meta da instrumentalidade e, sobretudo, da efetividade.”

Efetivamente não tem lugar em pleno século XXI, uma lei processual que não permita a realização da justiça de forma rápida e efetiva, sem esquecer de preservar princípios basilares do direito processual como o do contraditório e da ampla defesa.

Com certeza, nesse aspecto, passados quase 8 (oito) de vigência das alterações processuais, a prática demonstra que o legislador obteve sucesso, logrando êxito na reforma do sistema de execução das decisões condenatórias, atualmente denominada “cumprimento da sentença”, para agilizar a efetivação da entrega do bem da vida perseguido.

O referido artigo475-0, logo em seu caput, já afirma o tratamento igualitário entre a execução provisória e a definitiva que o legislador pretendeu criar, afirmando: “A execução provisória da sentença far-se-á, no que couber, do mesmo modo que a definitiva”.

Também ficou expressa a possibilidade de “levantamento de depósito em dinheiro e a prática de atos que importem alienação de propriedade”, desde que prestada “caução suficiente e idônea, arbitrada de plano pelo juiz e prestada nos próprios autos” (475-0, III).

Fica, todavia, dispensada a caução, “nos casos de crédito de natureza alimentar ou decorrente de ato ilícito, até o limite de sessenta vezes o valor do salário-mínimo, o exeqüente demonstrar situação de necessidade.” (475-0, § 2º, I) ou quando “penda agravo de instrumento junto ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça (art. 544), salvo quando da dispensa possa manifestamente resultar risco de grave dano, de difícil ou incerta reparação.” (475-0, § 2º, II).

É nítida, portanto, a intenção legislativa de não impor limites ou barreiras decorrentes da pendência de recursos em relação a execução provisória, dando-lhe, inclusive, em alguns casos, tratamento idêntico que mereceria a execução definitiva.

O Superior Tribunal de Justiça, contudo, já afirmou que “a multa prevista no art. 475-J do CPC não se aplica à execução provisória” (REsp 1.059.478/RJ, Corte Especial, Relator o Ministro Luis Felipe Salomão, Relator p/ acórdão o Ministro Aldir Passarinho Junior, DJ de 11/4/2011).

Embora definida a orientação do Superior Tribunal de Justiça, o Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, então relator daquele recurso especial, afetado a Corte Especial com base no art. 16, inciso IV, do RISTJ, com muita propriedade e convicção afirmou no voto que restou vencido:

“5. No caso dos autos, o que se pretende é o afastamento da multa do art. 475-J do CPC, pelo fato de tratar-se de execução provisória, a qual, por exegese do próprio Código, far-se-á, no que couber, do mesmo modo que a definitiva (art. 475-O, do CPC).

Nesse sentido, é entendimento assente na doutrina que a execução provisória, ontologicamente, não se difere em nada da definitiva. Em verdade, a provisoriedade está no título – que pode ser modificado quando do julgamento do recurso – e não na execução em si. Ou seja, na chamada execução provisória da sentença, a atividade jurisdicional, em essência, é a mesma daquela prestada se de título definitivo se cogitasse.

Nas palavras de Araken de Assis, “chama-se provisória, portanto, a execução fundada em título judicial na pendência de recurso aviado contra provimento com eficácia executiva” (In. Cumprimento da Sentença, Ed. Forense, p. 139, sem grifo no original), e aqui reside o ponto nodal.

6. A sentença contra a qual foi manejado recurso sem efeito suspensivo, malgrado não ostente o traço da definitividade, possui eficácia executiva e seu comando normativo deve ser cumprido pelo vencido tão logo o vencedor manifeste desejo de executá-lo, sob pena de incidir a multa prevista no art. 475-J.

Conclusão diversa emprestaria à sentença judicial, já dotada de força executiva, repita-se, a pecha de ser um “nada jurídico” – para valer-me das felizes palavras do Ministro Luiz Fux em sede doutrinária – que não produz efeito algum sobre o devedor.

Ao contrário, da redação do art. 475-J, exsurge a conclusão de que a multa de 10% sobre o valor da condenação deverá incidir desde que haja descumprimento da condenação de pagar “quantia certa ou já fixada em liquidação”, nada obstante a sentença não ser definitiva.

 (…)

10. A meu ver, também não prospera a tese de que o cumprimento da sentença traria, em caso de provimento superveniente do recurso não dotado de efeito suspensivo, dano irreparável à parte. A própria essência da execução provisória pressupõe que pode haver mudança posterior, quando do julgamento do recurso, e nem por isso a expropriação fica afastada. Esse posicionamento, data venia, impediria até mesmo se procedesse a qualquer ato na quadra da execução provisória.

Ressalto, todavia, que, muito embora não seja necessária caução para ser e querer o cumprimento provisório da sentença, o será para o levantamento de depósito em dinheiro e para a prática de atos que importem alienação de propriedade ou dos quais possa resultar grave dano ao executado, nos termos do art. 475-O, inciso III, do Código de Processo Civil.

E é exatamente por esse ângulo que interpreto a fórmula “no que couber”, prevista no art. 475-O, caput, do CPC:

“Art. 475-O. A execução provisória da sentença far-se-á, no que couber, do mesmo modo que a definitiva, observadas as seguintes normas: (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)”

Ou seja, cuidando-se de execução provisória, aplicam-se as normas regentes da execução definitiva, ressalvadas algumas cautelas peculiares à provisória, evitando-se, por exemplo, a prática de atos irreversíveis de expropriação em desfavor do executado.

11. Com efeito, quer porque a execução provisória não se diferencia, na sua essência, da execução definitiva – mas somente o título imprime alguma diferenciação -,quer porque corre por conta e risco do exequente, quer porque o espírito da reforma assim aconselha, filio-me à tese de ser plenamente cabível a multa do art. 475-J impedido de cumprimento provisório da sentença.

Nos casos de execução de sentença provisória, a certeza absoluta do débito deve ceder vez à robusta fumaça do bom direito, com as precauções a serem observadas caso a caso pelo magistrado, sob pena de submeter o vencedor, mais uma vez, a longos anos de espera, para, só então, gozar do bem da vida que lhe foi indevidamente tirado. (…)

12. Por tais razões, nego provimento ao recurso especial. É como voto.”

Atualmente, prevalece, porém, o entendimento do descabimento da multa prevista no art. 475-J do CPC, de que são exemplos: AgRg no REsp 1.126.748/PR, Rel. Min. HUMBERTO MARTINS, DJe de 29/3/2011 e EDcl no Ag 1.122.725/SP, Rel. Min. JOÃOOTÁVIO DE NORONHA, DJe de 17/5/2010)

Da mesma forma, até por coerência, mais recentemente o Superior Tribunal de Justiça assentou:

PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. ARBITRAMENTODE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS EM FAVOR DO EXEQUENTE.DESCABIMENTO.

1. A execução provisória, por expressa dicção legal, “corre por iniciativa, conta e responsabilidade do exeqüente” (art. 475-O, inciso I,do CPC). Portanto, pendente recurso “ao qual não foi atribuído efeito suspensivo” (art. 475-I, § 1º, do CPC), a lide ainda é evitável e a “causalidade” da instauração do procedimento provisório deve recair sobre o exequente.

2.Com efeito, por ser a iniciativa da execução provisória mera opção do credor, descabe, nesse momento processual, o arbitramento de honorários em favor do exequente.

3.Posteriormente, convertendo-se a execução provisória em definitiva, nada impede que o magistrado proceda ao arbitramento dos honorários advocatícios, sempre franqueando ao devedor, com precedência, a possibilidade de cumprir, voluntária e tempestivamente, a condenação imposta e também elidir a multa prevista no art. 475-J,CPC.

4. Recurso especial provido.

(REsp 1.252.470/RS, rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em6/10/2011, DJe 30/11/2011)

Salienta-se que a questão poderá ser reexaminada, pois existem recursos (REsp 1.293.605/PR e REsp1.291.736/PR) afetados como representativos de controvérsia repetitiva para julgamento, sob o rito do art. 543-C do CPC, em relação ao cabimento ou não de honorários advocatícios em sede de execução provisória.

Não vejo, porém, razoabilidade na limitação da aplicação à execução provisória das mesmas regras da execução definitiva, eis que o próprio legislador buscou reduzir as diferenças até então existentes, permitindo, inclusive, a efetiva entrega da prestação jurisdicional com a alienação judicial do bem penhorado ou levantamento do valor depositado.

Deixar de aplicar as regras sancionadoras previstas para a fase de cumprimento de sentença pela simples razão de que se trata de execução provisória, significa retirar do credor a mesma força que detém na execução definitiva, esvaziando o poder de obrigar ou convencê-lo a cumprir o julgado, limitando a sua eficácia por decisão judicial não estabelecida em lei.

Enfim, creio ter sido um retrocesso na interpretação da lei para a hipótese de cumprimento de sentença provisória. O avanço trazido pela lei 11.232/2005, ficou reduzido pela interpretação do Superior Tribunal de Justiça. Espera-se, porém, uma revisão de modo a filiar-se aos anseios de uma sociedade que busca justiça rápida, tanto que erigido a direito fundamental a razoável duração do processo (CF, art. 5º, LXXVIII).

Autor: Sergio Eduardo Martinez, OAB/RS 32.803

Email: sergioeduardo@martinezadvocacia.com.br

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[1] “As novas reformas do Código de Processo Civil”, Rio de Janeiro, Forense, 2006, p. 92.

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