A execução do contrato de alienação fiduciária de imóveis e a devolução das parcelas pagas com base no artigo 53 do Código de Defesa do Consumidor

A constante e crescente comercialização de imóveis verificada nos últimos anos, sobretudo em razão do crédito canalizado pelas instituições financeiras, trouxe ao Poder Judiciário algumas discussões novas e decorrentes das ditas operações de financiamento.

Uma dessas questões diz com a devolução dos valores pagos pelos adquirentes em razão de ajuste contratual de aquisição de imóvel com garantia de alienação fiduciária (Lei Federal nº 9.514/97), por força da previsão do art. 53 do Código de Defesa do Consumidor[1].

Tratando-se de contrato de promessa de compra e venda de imóvel, há muito tempo já se consagrou o entendimento de ser legítimo o direito à devolução parcial dos valores pagos, na hipótese de rescisão contratual, ainda que tal iniciativa decorra da impossibilidade de cumprimento contratual por parte do comprador.

Diversa é, porém, a posição quando se tratar de discussão que envolva pacto de alienação fiduciária em garantia, firmado sob a égide da Lei 9.547/97.

É que a referida Lei nº 9.514/97, em seu art. 27, estabelece, expressamente, os valores que deverão ser devolvidos ao adquirente, na hipótese de retomada do bem em razão da falta de pagamento das parcelas do financiamento contratado.

É sabido que a legislação especial, no caso a lei que regula a alienação fiduciária de imóveis (Lei 9514/97), prevalece sobre a lei geral, no caso o Código de Defesa do Consumidor, sobretudo na hipótese em que existe clara incompatibilidade entre si.

Acrescente-se que a Lei 9514/97 é posterior a edição da Lei 8078/90 (CDC), aplicando-se, por conseguinte, a lei mais recente, até pela revogação tácita em relação aos contratos estabelecidos com garantia fiduciária de imóveis (v. art. 2º, § 1º, da LICC).

Já tivemos a oportunidade de exteriorizar tal entendimento, quando da publicação de artigo na obra “Novo Direito Imobiliário e Registral”, ed. Quartier Latin, São Paulo, 2008, págs. 509/515.

A questão já foi examinada pelo Superior Tribunal de Justiça que afastou a aplicação da referida disposição do art. 53 do Código de Defesa do Consumidor.

AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO.

ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL. ALEGADA VIOLAÇÃO DO ART. 53, DO CDC. RESTITUIÇÃO DOS VALORES PAGOS. PREVALÊNCIA DAS REGRAS CONTIDAS NO ART. 27, §§4º, 5º e 6º, DA LEI Nº 9.514/97. DECISÃO RECONSIDERADA. AGRAVO DE INSTRUMENTO IMPROVIDO.(Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº. 932.750/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, DJ 08.02.2008).

Do mesmo entendimento é a mais recente decisão da lavra do Min. Massami Uyeda no Recurso Especial nº 1160549/RS, julgado em 28 de agosto de 2012.

Efetivamente, concordamos que não deve prevalecer a norma do art. 53 do CDC, sobre as disposições da Lei n.º 9.514/97.

A alienação fiduciária de imóveis possui disciplina própria que regulou de maneira específica e muito clara as conseqüências advindas da mora do devedor fiduciante, bem como a forma de expropriação do bem objeto da garantia.

A Lei n.º 9.514/97 disciplinando em seu art. 27 a forma de restituição da quantia que, eventualmente, sobejar, estabeleceu normas gerais de aplicação aos contratos de alienação fiduciária de imóveis e, por conseqüência, afasta a incidência da regra do art. 53 da Lei n.º 8.078/90.

Diante dessa interpretação, verifica-se, no ponto, outra grande contribuição da lei que permitiu a alienação fiduciária de imóveis como garantia de contratação de financiamentos imobiliários.


[1] Art. 53. Nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, bem como nas alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado.

§ 1° (Vetado) .

§ 2º Nos contratos do sistema de consórcio de produtos duráveis, a compensação ou a restituição das parcelas quitadas, na forma deste artigo, terá descontada, além da vantagem econômica auferida com a fruição, os prejuízos que o desistente ou inadimplente causar ao grupo.

§ 3° Os contratos de que trata o caput deste artigo serão expressos em moeda corrente nacional.

 

Autor: Sergio Eduardo Martinez, OAB/RS 32.803

Email: sergioeduardo@martinezadvocacia.com.br

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10 ideias sobre “A execução do contrato de alienação fiduciária de imóveis e a devolução das parcelas pagas com base no artigo 53 do Código de Defesa do Consumidor

  1. Silvio Benfica Lisboa

    Prezado Sérgio,

    Primeiramente, parabéns pelo artigo, o qual coaduna com a lei especial que rege a matéria e com o atual entendimento jurisprudencial, e obviamente, na prática é o mais justo às partes.

    Todavia, tenho uma dúvida no que diz respeito ao valor remanescente da venda, na hipótese do valor do imóvel for superior ao da dívida, senão vejamos.

    O art. 27, § 1º, diz que “Se, no primeiro público leilão, o maior lance oferecido for inferior ao valor do imóvel, (…), será realizado o segundo leilão (…).

    Desse dispositivo concluímos que, o imóvel não pode ser “leiloado” por valor inferior ao seu preço de mercado. No meu sentir o legislador andou bem.

    Já o art. 27, § 2º, diz que “No segundo leilão, será aceito o maior lance oferecido, desde que igual ou superior ao valor da dívida, das despesas, dos prêmios de seguro, dos encargos legais, inclusive tributos, e das contribuições condominiais.”

    Suponha-se que a dívida, acrescida de todos os encargos, seja de R$.100.000,00, e o valor de mercado do imóvel, comprovado, importa em R$.500.000,00 e é vendido por este último valor.

    A Lei 9.514/97, não regulamenta a respeito da devolução do valor da venda que exceder à dívida.

    Diante deste cenário, sob o ponto de vista jurídico, como proceder ?

    A instituição financeira tem o dever legal de proceder a devolução do excedente ou não ?

    Abraços.

    Responder
    1. Martinez Advocacia Autor do post

      Prezado Silvio, obrigado pelo comentário.

      A sua dúvida encontra solução no § 4º do art. 27 da referida lei:

      “Nos cinco dias que se seguirem à venda do imóvel no leilão, o credor entregará ao devedor a importância que sobejar, considerando-se nela compreendido o valor da indenização de benfeitorias, depois de deduzidos os valores da dívida e das despesas e encargos de que tratam os §§ 2º e 3º, fato esse que importará em recíproca quitação, não se aplicando o disposto na parte final do art. 516 do Código Civil.”

      Então se bem entendi, no exemplo citado caberá ao devedor a devolução do valor de R$400.000,00, sendo esta a obrigação de devolução do credor, servindo este como ampla e geral quitação de ambas as partes.

      Ficamos à disposição.

      Martinez Advocacia

      Responder
  2. Rogerio Cardamone

    Em relação à dúvida suscitada pelo colega Silvio. Considerando no segundo leilão de um imóvel avaliado em R$ 500.000,00 o credor arrecadou apenas e tão somente R$ 100.000,00, quantia que corresponde ao valor da divida (27, § 2º). Me parece, salvo engano, que em franco prejuízo de seu patrimônio o devedor não receberia absolutamente nada. Assim sendo, no plano legal, qual a justificativa para a aplicação de uma pena pecuniária que ultrapassa em 4 vezes o valor da divida ? Me corrija se estiver errado, mas, por analogia com o procedimento adotado nas alienações judiciais, onde se estabeleceu para a arrematação um “piso” de 60% do valor da avaliação, sob pena de ter a sua validade questionada, a interpretação da referida norma jamais poderia implicar na aceitação da venda por “preço vil”, o que consubstanciaria enriquecimento sem causa, que é amplamente repugnado pela legislação, pela doutrina e pela jurisprudência.

    Responder
    1. Martinez Advocacia Autor do post

      Prezado Rogério, efetivamente o exemplo citado denota um caso de venda por preço vil, embora na prática creio ser difícil se verificar tamanha diferença entre o preço de mercado e aquele da venda em leilão. A lei não permite a complementação de tal diferença sendo o § 4º do art. 27 da referida lei expresso em outorgar a quitação do saldo em favor do credor. Nada impede, porém, essa discussão na via judicial, mas com base na alegação de que a venda o foi por preço vil, não sob a ótica da devolução das parcelas pagas (art. 53 do CDC). Me parece uma discussão razoável e não conheço decisão que tenha examinado situação semelhante.

      Ficamos à disposição,
      Martinez Advocacia.

      Responder
  3. Elusa

    Tive um problema sério. Comprei um apto. em 2001, financiado pelo Unibanco do qual era funcionária por 11 anos, com taxa subsidiada. Valor da época 58mil, paguei metade com FGTS e financiei o restante. Em 2004 fui demitida e o banco colocou taxa de mercado o que é proibido. Em pouco mais de 4 anos. Com o desemprego atrasei, fiquei doente (com câncer)e fui tocando um processo de execução até meados deste ano. pelo menos eu achava que a distinta advogada estava fazendo isto, mas perdeu o prazo do seguro, e não sabia o que o banco fez (?). Qual não foi minha surpresa quando descobri agora em julho/13 que em outubro de 2013 o Itaú simplesmente leiloou meu crédito do processo que estava em média 40mil por 70mil, alegaram 200mil de valor de mercado para um Grupo de investidores, sem me notificar (acho que deveria tê-lo feito). Procurei por minha conta, ainda sou bacharel e estou começando nova carreira regularizando imóveis, o tal investidor que me “Vendeu” a compra por 130mil dizendo que eu não tenho mais a gestão do crédito. O apto. vale hoje 300 mil. Fui obrigada a fazer um acordo que vou pagar amanhã para baixar o processo e a execução com dinheiro emprestado de uma amiga (para a qual vou passar este valor assim que vender e começar de novo com o que sobrar. Pergunto o Itaú agiu no mínimo sem transparência, à minhas costas sem me avisar que colocou terceiros no contrato? Posso mover uma ação para reaver os valores que paguei? Não posso deixar de me sentir lesada. O tal investidor me garante que a operação foi legal… pode até ser mas que o dinheiro manda o pobre inadimplente para a cova, pode ter certeza, manda. Só me resta, de novo, começar de novo. Elusa

    Responder
    1. Martinez Advocacia Autor do post

      Prezada Elusa, a questão é complexa e para que eu possa opinar com segurança é importante ter a cópia do processo de execução, matrícula do imóvel e contrato de financiamento. Se vc quiser a minha opinião me envie um email (sergioeduardo@martinezadvocacia.com.br).

      Fico à disposição.

      Att.

      Sergio E. Martinez

      Responder
  4. Wander

    Caro autor do artigo…eu tive meu imóvel leiloado faltando pouco para sua quitação, eu teria direito de ter uma restituição de valores segundo o valor leiloado ante valor da divida?

    Responder

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