A fiança em contrato de locação e a possibilidade de exoneração

A fiança é o ato pelo qual uma pessoa se obriga a cumprir uma obrigação assumida por outra pessoa (devedor), acaso esse não a cumpra (CCivil, art. 818). É a garantia mais utilizada nos contratos de locação de imóveis, embora a lei preveja outras como caução (de bens imóveis, móveis ou até três meses de aluguel), seguro fiança e títulos de capitalização (Lei nº 8.245/91, arts. 37 e 38).

O ato de prestar fiança em contrato de locação significa assumir, nas mesmas condições, as obrigações contratuais do locatário até a devolução do imóvel e responder, em caso de descumprimento do contrato, com todo o patrimônio e, inclusive, o imóvel residencial (Lei nº 8245/91, art. 82). Apesar de a lei permitir a limitação da garantia (CCivil, arts. 822 e 830), a grande maioria dos contratos abrange a responsabilidade integral por toda e qualquer dívida do devedor.

Trata-se de um ato de confiança prestado de forma gratuita em favor de alguém, por contrato, com consequências nem sempre compreendidas por aqueles que assumem tal responsabilidade.

Certamente a consequência mais importante é que o fiador poderá perder o próprio imóvel residencial para o pagamento da dívida decorrente do contrato de locação. Em regra, o bem de família ou imóvel onde reside a família não pode ser vendido para o pagamento de dívidas, salvo algumas exceções como é o caso da obrigação decorrente de contrato de locação (Lei n° 8.009/90, art. 3º). E o próprio devedor principal (locatário ou afiançado) não corre o mesmo risco, eis que o seu imóvel residencial está a salvo por não estar incluído nas exceções previstas em lei.

Outra consequência importante é que, salvo previsão contratual em contrário, o fiador permanecerá como garantidor das obrigações contratuais até a efetiva evolução do imóvel. Assim, se o contrato for estipulado por prazo de 1 (um) ano e o inquilino permanecer no imóvel, fica prorrogada a locação e, consequentemente, as obrigações decorrentes da fiança (Lei nº 8.245/91, art. 39).

Embora o Superior Tribunal de Justiça tenha editado a Súmula 214, segundo a qual o fiador na locação não responde por obrigações resultantes de aditamento ao qual não anuiu, o fato é que a prorrogação do contrato não pode ser interpretada como aditamento contratual, até porque independe de qualquer outra providência, bastando a permanência do inquilino. Cite-se, como exemplo desse entendimento no âmbito do STJ, o julgamento do EREsp 566633/CE pela 3ª Seção, conforme julgados: AgRg no AG 547987/Arnaldo Esteves, Ag 885584/Felix Fischer, REsp 821953/Paulo Gallotti, REsp 927456/Maria Thereza e REsp 618905/Paulo Gallotti.

Todavia, é permitido ao fiador pedir que seja liberado após o prazo fixado de duração do contrato (quando então passa a ser chamada a locação por prazo indeterminado) e limitar a duração ou permanência da obrigação. Essa intenção não precisa de qualquer justificativa. Assim, basta que o fiador comunique por escrito a intenção de não permanecer obrigado pelo contrato e, após 120 dias da comunicação, estará liberado de responder por quaisquer obrigações pendentes surgidas daquela locação.

Consideradas todas as consequências que podem resultar do ato de prestar fiança, a avaliação dos riscos e da conveniência desse compromisso é questão que deve ser sopesada em conjunto com a confiança indispensável atribuída ao beneficiário.

Autor: Sérgio Eduardo Martinez

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Simulação gera nulidade de alienações e garante direito de partilha a ex-cônjuge

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a uma mulher o direito à partilha de bens que haviam sido alienados de maneira fraudulenta pelo ex-marido, com quem era casada em regime de comunhão parcial. Foi constatada, na iminência da separação, uma série de expedientes fraudulentos para dilapidar o patrimônio adquirido durante a relação conjugal.

De acordo com as provas do processo, bens do casal foram transferidos pelo ex-marido a seus irmãos, por preço vil, pouco antes da separação de corpos do casal.

A ex-mulher propôs ação ordinária contra seu ex-cônjuge porque este teria passado para o nome dos irmãos, por R$ 220 mil e sem a sua anuência, três fazendas avaliadas em mais de R$ 6 milhões. Casados sob o regime da comunhão parcial de bens, ainda na vigência do Código Civil de 1916, a venda aconteceu pouco antes da separação de fato do casal.

Na ação, a ex-mulher afirmou que o ato teve a finalidade de excluir tais bens da partilha quando da separação judicial, o que demonstrou “desvio patrimonial e consequente ineficácia das escrituras de transmissão, tendo em vista a subtração de sua meação por manifesta simulação, o que implica nulidade absoluta do ato negocial, à luz do artigo 167 do atual Código Civil”.

Formalidades

O tribunal estadual reformou integralmente a sentença de procedência da ação pauliana, que havia declarado o direito à meação da ex-mulher sobre os bens adquiridos pelo ex-marido na constância do casamento e o direito à renda no período compreendido entre a separação de fato do casal e a sentença, em virtude do uso exclusivo do patrimônio.

A corte local entendeu não haver vício de consentimento capaz de anular as alienações, tendo em vista o cumprimento das formalidades quando da lavratura das escrituras. Entendeu ainda que a ação proposta pela ex-mulher com o intuito de ver reconhecidos os seus direitos sobre o patrimônio do casal seria inadequada. Isso porque os direitos dos cônjuges decorreriam do próprio regime de casamento, e a discussão deveria ser realizada na ação de partilha, via própria para a resolução de questões patrimoniais.

Em ato subsequente ao julgamento pelo Tribunal de Justiça, os bens retornaram ao antigo titular, fato que não foi negado pelo recorrido, o que, para os ministros, demonstra a intenção de realizar um negócio fictício.

Má-fé

A simulação retratada nos autos, segundo o relator do recurso, ministro Villas Bôas Cueva, “reflete artimanha muitas vezes utilizada em separações litigiosas para ocultar o conteúdo real do ato praticado e dificultar a prova de violação da ordem jurídica”.

“A alienação forjada, próxima ao desenlace, é, sobretudo, uma violação da ordem pública -porquanto vedada por lei imperativa que garante não apenas o direito à meação na separação judicial, mas também o direito de terceiros credores -e, por óbvio, pode ser reconhecida em ação autônoma”, acrescentou.

Nulidade

Em seu voto, o ministro Villas Bôas Cueva destacou que, no Código Civil de 1916, conforme o artigo 147, a simulação ensejava a anulação do ato jurídico. O atual CC, de 2002, atendendo a reclamos da doutrina, considera a simulação fato determinante de nulidade do negócio jurídico, haja vista sua gravidade.

O ministro considerou que, no caso, “não se está a avaliar os aspectos externos do negócio jurídico ou se foram observados os requisitos burocráticos para sua celebração à luz da lei de registros públicos, mas sim a perquirir a ocorrência de simulação (violação do artigo 102 do Código Civil de 1916, correspondente ao artigo 167, parágrafo 1º, I e II, do CC de 2002) com o intuito de aferir o verdadeiro patrimônio do réu objeto de partilha”.

Os bens adquiridos entre a data do casamento e a separação de fato, de acordo com o relator, devem ser partilhados nos termos da sentença, segundo a qual a autora conseguiu provar que a alienação do conjunto de bens pelo seu ex-cônjuge foi viciada. “A nulidade foi devidamente provada”, concluiu o ministro.

Para Villas Bôas Cueva, o questionável preço dos bens alienados, o parentesco entre os negociantes, a proximidade da alienação com a separação e a relatividade da presunção de veracidade do conteúdo das escrituras públicas demonstram que a ação foi bem solucionada pelo juízo de primeiro grau, que constatou o fato de a alienação dos imóveis ter sido efetuada por valor muito abaixo do praticado do mercado.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

Fonte: Superior Tribunal de Justiça

Segunda Seção reafirma que bem de família do fiador em contrato de aluguel é penhorável

Em julgamento de recurso especial sob o rito dos repetitivos (artigo 543-C do Código de Processo Civil), a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou a tese de que é possível a penhora de bem de família de fiador apontado em contrato de locação, ante o que dispõe o artigo 3º, inciso VII, da Lei 8.009/90.

De acordo com o dispositivo, a impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.

O colegiado, de forma unânime, seguiu a jurisprudência já firmada pelo STJ e também pelo Supremo Tribunal Federal (STF). “A jurisprudência desta corte é clara no sentido de que é possível a penhora do bem de família de fiador de contrato de locação, mesmo quando pactuado antes da vigência da Lei 8.245/91, que alterou o artigo 3º, inciso VII, da Lei 8.009”, afirmou o relator do recurso, ministro Luis Felipe Salomão.

O processo

A ação de cobrança de aluguéis e encargos locatícios foi ajuizada por um espólio. O juízo de primeiro grau acolheu o pedido e declarou rescindido o contrato de locação, decretou o despejo e condenou todos os réus, solidariamente, ao pagamento dos aluguéis e encargos da locação vencidos e os vincendos até a data da desocupação do imóvel.

A sentença transitou em julgado, e o espólio iniciou o seu cumprimento, tendo sido penhorados imóveis dos fiadores, que apresentaram exceção de pré-executividade. Entre outras questões, sustentaram a inconstitucionalidade do artigo 3º da Lei 8.009. O juízo, no entanto, rejeitou a alegação de impenhorabilidade do bem de família em vista dos precedentes judiciais.

Os fiadores recorreram, e o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) tornou insubsistente a penhora que recaiu sobre um dos imóveis. “A pretensão de expropriação do imóvel residencial do fiador ganha maiores contornos de inadmissibilidade quando, em comparação com o direito posto ao devedor principal, percebe-se que a garantia negada ao garantidor é amplamente assegurada ao afiançado”, afirmou o tribunal.

Decisão reformada

Em seu voto, o ministro Salomão destacou que, conforme o artigo 1º da Lei 8.009, o bem imóvel destinado à moradia da entidade familiar é impenhorável e não responderá pela dívida contraída pelos cônjuges, pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas no artigo 3º da norma.

“Infere-se, pois, que a legislação pátria, a par de estabelecer como regra a impossibilidade de se impor a penhora sobre bem imóvel destinado à moradia do indivíduo e de sua família, excetuou a hipótese do fiador em contrato de locação, permitindo que tal gravame seja lançado sobre o imóvel”, concluiu Salomão.

Entretanto, o ministro ressaltou que há divergência na doutrina sobre o tema em discussão. De um lado, autores como José Rogério Cruz e Tucci e Carlyle Popp entendem que o bem de família do fiador não pode ser penhorado para satisfação de débito em contrato de locação.

Por outro lado e em conformidade com a jurisprudência do STJ e do STF, doutrinadores como Álvaro Villaça Azevedo, Alessandro Segalla e Araken de Assis defendem ser legítima a penhora, com base no artigo 3º da Lei 8.009.

No caso julgado, a decisão do TJMS, ao considerar inválida a penhora sobre o bem de família de fiador de contrato locatício, contrariou o artigo 3º e divergiu do entendimento já pacificado no STJ e também no STF, razão pela qual foi reformada.

Fonte: Site STJ

Cônjuge casado em separação de bens é herdeiro necessário

A 3ª Turma do STJ manteve decisão que reconheceu a condição de herdeira necessária à viúva casada sob o regime de separação convencional de bens, mantendo-a no cargo de inventariante. Conforme o julgado, “o artigo 1.829, inciso I, do Código Civil de 2002 confere ao cônjuge casado sob o regime de separação convencional de bens a condição de herdeiro necessário, que concorre com os descendentes do falecido independentemente do período de duração do casamento, com vistas a lhe garantir o mínimo para uma sobrevivência digna”.

A única filha do autor da herança recorreu ao STJ contra decisão do TJ do Rio de Janeiro que reconheceu a viúva de seu pai como herdeira necessária. Sustentou que o cônjuge casado no regime de separação convencional de bens não é herdeiro necessário, citando para tanto um precedente da própria 3ª Turma nesse sentido, julgado em 2009.

Segundo a recorrente, na hipótese de concorrência com descendentes, deveria ser negado ao cônjuge sobrevivente casado sob o regime da separação convencional o direito à herança, pois ele não possuiria direito à meação e tampouco à concorrência sucessória. Concluiu pela necessidade de manutenção do regime de bens estipulado, que obrigaria as partes tanto em vida como na morte.

O relator do recurso, ministro Villas Bôas Cueva, destacou que “o concurso hereditário na separação convencional impõe-se como norma de ordem pública, sendo nula qualquer convenção em sentido contrário, especialmente porque esse regime não foi arrolado como exceção à regra da concorrência posta no artigo 1.829, inciso I, do CC”.

O voto referiu também que “o regime da separação convencional de bens, escolhido livremente pelos nubentes à luz do princípio da autonomia de vontade – por meio do pacto antenupcial – , não se confunde com o regime da separação legal ou obrigatória de bens, que é imposto de forma cogente pela legislação (artigo 1.641 do CC), no qual efetivamente não há concorrência do cônjuge com o descendente”.

O relator destacou que, no precedente invocado pela recorrente (REsp nº 992.749), afirmou-se que “se o casamento foi celebrado pelo regime da separação convencional, significa que o casal escolheu conjuntamente a separação do patrimônio. Não há como violentar a vontade do cônjuge após sua morte, concedendo a herança ao sobrevivente”.

Entretanto, o novo julgado definiu que as hipóteses de exclusão da concorrência, tais como previstas pelo artigo 1.829, I, do CC, evidenciam a “indisfarçável intenção do legislador de proteger o cônjuge sobrevivente”. (REsp nº 1472945).

Fonte: Site STJ

STJ confirma legalidade de sistema de score de crédito

A 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou nesta quarta-feira, 12,a legalidade do chamado score de crédito – sistema de pontuação usado por empresas de proteção de crédito, como a Serasa Experian e a Boa Vista Serviços sobre o perfil dos consumidores. Mais de 100 mil ações na Justiça aguardavam a decisão dos ministros do STJ, que entenderam que a ferramenta de pontuação pode ser usada sem prévio consentimento dos consumidores. No entanto, é preciso respeitar os princípios da legislação em vigor e o consumidor tem direito a saber, quando solicitar, os dados que foram utilizados para cálculo de sua pontuação.

O assunto foi tema da primeira audiência pública do STJ, organizada pelo relator do caso, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, em agosto. Na ocasião, o procurador-geral do Banco Central, Isaac Sidney Menezes Ferreira, defendeu o sistema e afirmou que a ferramenta é essencial para a estabilidade do sistema financeiro nacional.

Sanseverino relatou recurso especial que chegou à Corte em que um consumidor ganhou nas instâncias inferiores direito a indenização, pois seus pedidos de cartões em lojas e bancos foram negados com base em pontuação insuficiente pelas empresas de avaliação de risco. O ministro apontou nesta tarde que o “credit scoring” é uma metodologia de cálculo do risco de crédito do consumidor que usa como base dados acessíveis ao mercado através da internet.

O entendimento do relator é de que o fato de se tratar de uma metodologia que usa modelos estatísticos e busca informação a partir de cadastros disponíveis “não afasta o dever de respeitar” o direito à privacidade e à transparência, garantidos ao consumidor brasileiro pela legislação. “Não se pode exigir o prévio e expresso conhecimento (do consumidor) porque não se constitui um cadastro”, afirmou. As informações, contudo, quando solicitadas devem ser prestadas ao consumidor, “com indicação clara e precisa” dos bancos de dados utilizados, inclusive com possibilidade de retificação ou atualização dos dados.

Os ministros entenderam ainda que não podem ser valoradas pelas empresas “informações sensíveis ou excessivas” como relativas a cor, orientação sexual ou opção religiosa.

O pagamento de dano moral, pelo entendimento do STJ, deverá ser analisado caso a caso. Só cabe a indenização por dano moral quando há desrespeito à regulamentação legal, com uso de informações sensíveis ou excessivas para atribuir a nota ao consumidor. Em outros casos, é preciso comprovar que houve uma recusa de concessão de crédito com base em informações incorretas ou desatualizadas. “A simples circunstância de atribuir nota insatisfatória a uma pessoa não acarreta por si só um dano moral”, decidiu Sanseverino.

A 2ª Seção acompanhou o entendimento do relator, por unanimidade. O ministro João Otávio de Noronha destacou que o sistema de score de crédito “não é feito para prejudicar” os consumidores, mas para “beneficiar os consumidores honestos”. Noronha fez observações sobre a situação econômica do País atualmente e afirmou que juízes devem “medir a repercussão das decisões judiciais” no cenário atual. “Nós não vamos colaborar para a recuperação desse País, que depende muito do crédito, embaraçando o sistema de crédito, encarecendo-o”, disse, votando a favor da confirmação da legalidade do sistema de score.

Fonte: Agencia Estado