Recentemente publicamos artigo neste blog sobre as perdas do FGTS ao longo dos anos (http://goo.gl/7v5SUJ), e a grande questão era como o judiciário iria decidir sobre tal matéria. A batalha iniciou com sucessivas improcedências, em primeiro grau, porém começam agora a aparecer casos em que os Juízes entenderam pela procedência dos pedidos. Uma Juíza em Novo Hamburgo, RS, decidiu em prol do trabalhador, em sentença que abaixo transcrevemos. Vamos aguardar para ver o desenrolar dos casos, e a tendência dos tribunais. Sigam acompanhando!
SENTENÇA
RELATÓRIO
Trata-se de ação ordinária em que objetiva a parte autora a condenação da Caixa
Econômica Federal a atualizar o saldo da sua conta do FGTS com base no INPC ou,
alternativamente, no IPCA ou qualquer outro índice que reponha as perdas inflacionárias do
trabalhador na(s) conta(s) referida(s), e pagar as diferenças apuradas.
Citada, a Caixa Econômica Federal apresentou contestação, sustentando a
improcedência dos pedidos.
É o relatório. Decido.
FUNDAMENTAÇÃO
Legitimidade passiva da Caixa Econômica Federal: nos termos da Súmula n°
249 do STJ, ‘a Caixa Econômica Federal tem legitimidade passiva para integrar processo em
que se discute correção monetária do FGTS.’
Litisconsórcio passivo necessário com BACEN e UNIÃO: conforme pacífica
jurisprudência do STJ, nas demandas que tratam da atualização monetária dos saldos das contas
vinculadas do FGTS, a legitimidade passiva ad causam é exclusiva da Caixa Econômica Federal,
por ser gestora do Fundo, com exclusão da União, do BACEN e dos bancos depositários.
Prescrição: o prazo prescricional para requerer diferenças não creditadas nos
saldos de contas vinculadas ao FGTS é trintenário, consoante Súmulas nºs 57 do TRF/4ª Região e
210 do STJ, e se inicia a partir da data em que a opção pelo Fundo foi efetivada.
Sobre a atualização monetária dos saldos de conta vinculada ao FGTS
O Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, criado pela Lei n° 5.107/66
- destinado, inicialmente, a amparar trabalhadores em situações de encerramento da relação de
emprego e de doenças graves, servindo hoje também para custear investimentos nas áreas de
habitação, saneamento e infraestrutura -, é formado pelo conjunto de recursos depositados pelo
setor privado em conta bancária vinculada aos trabalhadores a seu serviço, mais algumas receitas
previstas no § 1º do artigo 2º da Lei nº 8.036/90.
De acordo com o artigo 13 da Lei nº 8.036/90, a remuneração dos depósitos é feita
da seguinte forma:
Art. 13. Os depósitos efetuados nas contas vinculadas serão corrigidos monetariamente com base
nos parâmetros fixados para atualização dos saldos dos depósitos de poupança e capitalização
juros de (três) por cento ao ano.
Já os saldos da poupança são assim remunerados, conforme previsto no artigo 12
da Lei nº 8.177/91:
https://eproc.jfrs.jus.br/eprocV2/controlador.php?acao=acessar_docum…
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Já os saldos da poupança são assim remunerados, conforme previsto no artigo 12
da Lei nº 8.177/91:
Art. 12. Em cada período de rendimento, os depósitos de poupança serão remunerados:
I – como remuneração básica, por taxa correspondente à acumulação das TRD, no período
transcorrido entre o dia do último crédito de rendimento, inclusive, e o dia do crédito de
rendimento, exclusive;
II – como remuneração adicional, por juros de: (Redação dada pela Lei n º 12.703, de 2012)
a) 0,5% (cinco décimos por cento) ao mês, enquanto a meta da taxa Selic ao ano, definida pelo
Banco Central do Brasil, for superior a 8,5% (oito inteiros e cinco décimos por cento);
ou (Redação dada pela Lei n º 12.703, de 2012)
b) 70% (setenta por cento) da meta da taxa Selic ao ano, definida pelo Banco Central do Brasil,
mensalizada, vigente na data de início do período de rendimento, nos demais casos. (Redação
dada pela Lei n º 12.703, de 2012)
Atualmente os depósitos de poupança são remunerados pela TR, índice que pela
Lei n° 8.660/93 substituiu a TRD.
Da análise dos dispositivos acima transcritos, verifica-se que tanto os depósitos de
FGTS, como os de poupança são atualizados pelo mesmo indexador, a TR. Não obstante, a
poupança é bem melhor remunerada, pois enquanto acrescida de uma taxa mensal de 05%, a
taxa de remuneração do FGTS é de apenas 3% ao ano.
Não bastasse isso, a TR, conforme já decidiu o STF na ADin nº 493/DF não
constitui índice de correção monetária (visto não refletir adequadamente o valor das perdas
inflacionárias), mas, sim, o custo primário de captação dos depósitos a prazo fixo. Inclusive, teve
variação negativa em alguns meses, o que a torna imprestável como índice de atualização
monetária.
O mesmo entendimento foi recentemente reafirmado no julgamento das ADIs n°s
4425 e 4357, em que analisada a constitucionalidade da Emenda Constitucional nº 62/2009.
À guisa de ilustração, trago o seguinte paralelo entre a TR e o INPC, índice
utilizado para a correção dos salários dos trabalhadores e dos benefícios previdenciários, que
bem demonstra a imprestabilidade da TR como índice de atualização monetária.
TR:
1999 0,5163 0,8298 1,1614 0,6092 0,5761 0,3108 0,2933 0,2945 0,2715 0,2265 0,1998 0,2998 5,7295
2000 0,2149 0,2328 0,2242 0,1301 0,2492 0,2140 0,1547 0,2025 0,1038 0,1316 0,1197 0,0991 2,0962
2001 0,1369 0,0368 0,1724 0,1546 0,1827 0,1458 0,2441 0,3436 0,1627 0,2913 0,1928 0,1983 2,2852
2002 0,2591 0,1171 0,1758 0,2357 0,2102 0,1582 0,2656 0,2481 0,1955 0,2768 0,2644 0,3609 2,8023
2003 0,4878 0,4116 0,3782 0,4184 0,4650 0,4166 0,5465 0,4038 0,3364 0,3213 0,1776 0,1899 4,6485
2004 0,1280 0,0458 0,1778 0,0874 0,1546 0,1761 0,1952 0,2005 0,1728 0,1108 0,1146 0,2400 1,8184
2005 0,1880 0,0962 0,2635 0,2003 0,2527 0,2993 0,2575 0,3466 0,2637 0,2100 0,1929 0,2269 2,8335
2006 0,2326 0,0725 0,2073 0,0855 0,1888 0,1937 0,1751 0,2436 0,1521 0,1875 0,1282 0,1522 2,0377
2007 0,2189 0,0721 0,1876 0,1272 0,1689 0,0954 0,1469 0,1466 0,0352 0,1142 0,0590 0,0640 1,4452
2008 0,1010 0,0243 0,0409 0,0955 0,0736 0,1146 0,1914 0,1574 0,1970 0,2506 0,1618 0,2149 1,6348
2009 0,1840 0,0451 0,1438 0,0454 0,0449 0,0656 0,1051 0,0197 0,0000 0,0000 0,0000 0,0533 0,7090
2010 0,0000 0,0000 0,0792 0,0000 0,0510 0,0589 0,1151 0,0909 0,0702 0,0472 0,0336 0,1406 0,6887
2011 0,0715 0,0524 0,1212 0,0369 0,1570 0,1114 0,1229 0,2076 0,1003 0,0620 0,0645 0,0937 1,2079
2012 0,0864 0,0000 0,1068 0,0227 0,0468 0,0000 0,0144 0,0123 0,0000 0,0000 0,0000 0,0000 0,2897
2013 0,0000 0,0000 0,0000 0,0000 0,0000 0,0000 0,0209 0,0000 0,0079 0,0920 0,0207 0,0494 0,1910
INPC:
https://eproc.jfrs.jus.br/eprocV2/controlador.php?acao=acessar_docum…
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INPC:
1999 0,65 1,29 1,28 0,47 0,058 0,07 0,74 0,55 0,39 0,96 0,94 0,74 8,43%
2000 0,61 0,05 0,13 0,09 -0,05 0,30 1,39 1,21 0,43 0,16 0,29 0,55 5,27%
2001 0,77 0,49 0,48 0,84 0,57 0,60 1,11 0,79 0,44 0,94 1,29 0,74 9,44%
2002 1,07 0,31 0,62 0,68 0,09 0,61 1,15 0,86 0,83 1,57 3,39 2,70 14,74%
2003 2,47 1,46 1,37 1,38 0,99 -0,06 0,04 0,18 0,82 0,39 0,37 0,54 10,38%
2004 0,83 0,39 0,57 0,41 0,40 0,50 0,73 0,50 0,17 0,17 0,44 0,86 6,13%
2005 0,57 0,44 0,73 0,91 0,70 -0,11 0,03 0,00 0,15 0,58 0,54 0,40 5,05%
2006 0,38 0,23 0,27 0,12 0,13 -0,07 0,11 -0,02 0,16 0,43 0,42 0,62 2,81%
2007 0,49 0,42 0,44 0,26 0,26 0,31 0,32 0,59 0,25 0,30 0,43 0,97 5,15%
2008 0,69 0,48 0,51 0,64 0,96 0,91 0,58 0,21 0,15 0,50 0,38 0,29 6,48%
2009 0,64 0,31 020 0,55 0,60 0,42 0,23 0,08 0,16 0,24 0,37 0,24 4,11%
2010 0,88 0,70 0,71 0,73 0,43 -0,11 -0,07 -0,07 0,54 0,92 1,03 0,60 6,46%
2011 0,94 0,54 0,66 0,72 0,57 0,22 0,00 0,42 0,45 0,32 0,57 0,51 6,07%
2012 0,51 0,39 0,18 0,64 0,55 0,26 0,43 0,45 0,63 0,71 0,54 0,74 6,19%
2013 0,92 0,52 0,60 0,59 0,35 0,28 -0,13 0,16 0,27 0,61 0,54 0,72 5,56%
Veja-se que nos últimos 05 anos a TR permaneceu praticamente zerada. E sem
atualização monetária, as contas vinculadas ao FGTS, no mesmo período, sofreram apenas a
incidência dos juros anuais de 3%, acréscimo insuficiente para impedir a corrosão da moeda em
decorrência das perdas inflacionárias.
A correção monetária dos saldos vinculados ao FGTS deve, no mínimo, refletir a
inflação do período, e o índice que melhor reflete o objetivo da Lei do FGTS é o INPC, que é o
índice que corrige monetariamente os salários dos trabalhadores e os benefícios previdenciários.
Ainda que se entenda ser o FGTS um fundo institucional, de caráter estatutário e
não contratual, é devida a manutenção do valor real dos seus depósitos, tendo em vista que o
artigo 2º da Lei n° 8.036/90 expressamente dispõe que ‘O FGTS é constituído pelos saldos das
contas vinculadas a que se refere esta lei e outros recursos a ele incorporados, devendo ser
aplicados com atualização monetária e juros, de modo a assegurar a cobertura de suas
obrigações‘. Quando o rendimento da TR é igual ou próximo a zero, verifica-se ilegalidade por
afronta ao referido dispositivo.
São inúmeras as vantagens que da utilização da TR advém à CEF na condição de
administradora dos seus recursos, em contrapartida aos prejuízos amargados pelos fundidas em
decorrência da insuficiente atualização monetária dos valores depositados em sua(s) conta(s)
vinculada(s) ao longo de praticamente uma vida inteira. Não se pode olvidar que o FGTS é
patrimônio do trabalhador, e que, nessa perspectiva, não pode ser utilizado para subsidiar
políticas públicas sem a devida reposição das perdas inflacionárias, sob pena de configurar
confisco.
Assim, resta procedente o pedido, devendo a CEF substituir a TR pelo INPC na
atualização das contas vinculadas ao FGTS, desde janeiro de 1999, quando criado pelo Banco
Central/CMN um redutor na sua apuração.
Caso já realizado o saque, a CEF deverá efetuar o pagamento das diferenças
devidas; do contrário, creditar diretamente na(s) conta(s) vinculada(s) as diferenças devidas.
As diferenças devidas deverão ser monetariamente corrigidas pelo INPC, e
acrescidas de juros de mora no percentual de 6% ao ano (artigo 1º-F da Lei nº 9.494/97), a
contar da citação (artigo 219, caput, do CPC e Súmula n° 204 do STJ), independentemente de
ter havido, ou não, o levantamento do saldo, conforme verbete da Súmula nº 71 do TRF4, in
https://eproc.jfrs.jus.br/eprocV2/controlador.php?acao=acessar_docum…
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acrescidas de juros de mora no percentual de 6% ao ano (artigo 1º-F da Lei nº 9.494/97), a
contar da citação (artigo 219, caput, do CPC e Súmula n° 204 do STJ), independentemente de
ter havido, ou não, o levantamento do saldo, conforme verbete da Súmula nº 71 do TRF4, in
verbis: Os juros moratórios são devidos pelo gestor do FGTS e incidem a partir da citação nas
ações em que se reclamam diferenças de correção monetária, tenha havido ou não
levantamento do saldo, parcial ou integralmente.
DISPOSITIVO
Face ao exposto, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO para CONDENAR a CEF
a pagar / depositar as diferenças resultantes da aplicação do INPC como índice de correção
monetária em substituição a TR na(s) conta(s) vinculada(s) ao FGTS da parte autora, desde
janeiro de 1999, corrigidas monetariamente pelo INPC desde o vencimento de cada parcela até o
pagamento e acrescidas de juros de mora de 1% ao mês, contados da citação.
Condeno a CEF ao ressarcimento das custas adiantadas pela parte autora e ao
pagamento dos honorários advocatícios, que fixo em R$ 500,00 (quinhentos reais), tendo em
vista a simplicidade da demanda e a ausência de dilação probatória, atualizados monetariamente
pela TR até o efetivo pagamento.
Eventuais apelações interpostas pelas partes restarão recebidas no duplo efeito
(artigo 520, caput, do CPC), salvo nos casos de intempestividade e, se for o caso, ausência de
preparo, que serão oportunamente certificados pela Secretaria.
Interposto(s) o(s) recurso(s), caberá à Secretaria, mediante ato ordinatório, abrir
vista à parte contrária para contrarrazões, e, na sequência, remeter os autos ao Tribunal Regional
Federal da 4ª Região.
Transcorrido o prazo sem aproveitamento, certifique-se o trânsito em julgado e
intimem-se as partes acerca do prosseguimento.
Sentença publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se.
Novo Hamburgo, 08 de janeiro de 2014.
Maria Cristina Saraiva Ferreira e Silva
Juíza Federal na Titularidade Plena