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Desconsideração de pessoa jurídica com base no Código Civil exige prova de abuso

A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) – que reúne as duas turmas de julgamento especializadas em direito privado – superou a divergência que havia na corte a respeito dos requisitos para a desconsideração da personalidade jurídica e definiu que esse instituto, quando sua aplicação decorre do artigo 50 do Código Civil, exige a comprovação de desvio de finalidade da empresa ou confusão patrimonial entre sociedade e sócios.

Para o colegiado, o simples encerramento irregular das atividades – quando a empresa é fechada sem baixa na Junta Comercial ou deixando dívidas na praça – não é suficiente para autorizar a desconsideração e o redirecionamento da execução contra o patrimônio pessoal dos sócios.

A decisão foi tomada no julgamento de embargos de divergência opostos pela Comércio de Carnes Vale Verde Ltda. e seus sócios contra acórdão da Terceira Turma do STJ que determinou a desconsideração da personalidade jurídica da empresa em execução movida pela massa falida do Frigorífico Rost S⁄A.

De acordo com a relatora do caso na Segunda Seção, ministra Isabel Gallotti, a desconsideração só é admissível em situações especiais, quando verificado o abuso da pessoa jurídica, seja por excesso de mandato, desvio de finalidade da empresa ou confusão patrimonial entre a sociedade e os sócios.

Sem má-fé

No curso da execução, foi requerida a despersonalização da empresa devedora para que os sócios respondessem pelas dívidas com seus bens particulares. O juiz determinou a medida, tendo em vista que a devedora havia encerrado suas atividades de forma irregular. O Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), porém, reverteu a decisão.

Para o TJSC, “o fato de a sociedade empresária ter encerrado suas atividades de forma irregular não é, por si só, indicativo de que tenha havido fraude ou má-fé na condução dos negócios”. A ausência de bens suficientes para a satisfação das dívidas, segundo o tribunal estadual, poderia ser motivo para a falência, mas não para a desconsideração da personalidade jurídica.

A credora recorreu ao STJ, onde o relator, ministro Massami Uyeda (hoje aposentado), restabeleceu a decisão de primeiro grau ao fundamento de que a dissolução irregular é motivo bastante para a desconsideração (REsp 1.306.553). O entendimento do ministro, amparado em precedentes, foi confirmado pela Terceira Turma.

Requisitos necessários

No entanto, a questão não era pacífica no STJ. No julgamento do REsp 1.098.712, de relatoria do ministro Aldir Passarinho Junior (também aposentado), a Quarta Turma decidiu que, embora não seja necessária ação autônoma para a desconsideração, seu deferimento exige “a constatação de desvio da finalidade empresarial ou confusão patrimonial entre a sociedade e seus sócios”.

Naquele julgamento, os ministros da Quarta Turma reformaram a decisão que havia desconsiderado a personalidade jurídica da empresa devedora, entendendo que o tribunal estadual – no caso, o do Rio Grande do Sul – não avançara no exame dos requisitos necessários à medida, mas apenas apontara a ocorrência de dissolução irregular.

Com base nesse acórdão da Quarta Turma, a Comércio de Carnes Vale Verde Ltda. e seus sócios entraram com os embargos de divergência para que a Segunda Seção resolvesse a controvérsia.

Regra de exceção

Em seu voto, a ministra Isabel Gallotti afirmou que a criação teórica da pessoa jurídica serviu para o desenvolvimento da atividade econômica ao permitir que o risco do empreendedor ficasse limitado ao patrimônio destacado para esse fim.

Segundo ela, abusos no uso da empresa justificaram, em lenta evolução jurisprudencial, posteriormente incorporada ao direito positivo brasileiro, a tipificação de hipóteses em que se autoriza o afastamento da personalidade jurídica para atingir o patrimônio de sócios que dela se prevaleceram dolosamente para finalidades ilícitas.

“Tratando-se de regra de exceção, de restrição ao princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, a interpretação que melhor se coaduna com o artigo 50 do Código Civil é a que relega sua aplicação a casos extremos, em que a pessoa jurídica tenha sido instrumento para fins fraudulentos, configurado mediante o desvio da finalidade institucional ou a confusão patrimonial”, disse a relatora.

Microssistemas

Isabel Gallotti destacou que a desconsideração da personalidade jurídica está prevista não apenas no artigo 50 do Código Civil de 2002, mas também no artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor, no artigo 34 da Lei 12.529/11 (que organizou o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência) e no artigo 4º da Lei 9.605/98 (que trata das sanções em caso de agressão ao meio ambiente). Também o Código Tributário Nacional, apontou a ministra, admite que a dívida fiscal da empresa seja cobrada diretamente dos sócios (artigo 134, VII).

Segundo a relatora, cada uma dessas leis estabelece requisitos específicos para que a cobrança possa ser redirecionada contra o patrimônio pessoal dos sócios, razão pela qual os pressupostos da desconsideração devem ser analisados à luz do microssistema jurídico-legislativo aplicável a cada caso.

No campo tributário, por exemplo, a Súmula 435 do STJ dispõe que “presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio gerente”.

Teoria maior

“Há, portanto, hipóteses em que os requisitos exigidos para a aplicação do instituto serão distintos, mais ou menos amplos, mais ou menos restritos, mais ou menos específicos”, disse a ministra. Quanto à execução movida pela massa falida do Frigorífico Rost, Gallotti observou que se baseia em cheques emitidos pela devedora, sem haver relação de consumo ou qualquer outra que não seja regida apenas pelo Código Civil.

De acordo com a relatora, o STJ já fixou em vários precedentes o entendimento de que a teoria da desconsideração adotada pelo Código Civil foi a chamada “teoria maior”, que exige a presença de dolo das pessoas que usam a personalidade jurídica da empresa para acobertar atos ilícitos prejudiciais aos credores. “É a intenção ilícita e fraudulenta, portanto, que autoriza, nos termos da teoria adotada pelo Código Civil, a aplicação do instituto”, disse.

“Não se quer dizer com isso que o encerramento da sociedade jamais será causa de desconsideração de sua personalidade, mas que somente o será quando sua dissolução ou inatividade irregulares tenham o fim de fraudar a lei, com o desvirtuamento da finalidade institucional ou confusão patrimonial”, concluiu a ministra.

Fonte: Site STJ

 

TJSP – Tribunal decide que bens de sócios não serão usados para pagamento de dívida da empresa

Em decisão monocrática proferida na última quinta-feira (10), o desembargador Carlos Henrique Abrão, da 14ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, determinou que os sócios de uma administradora não terão seus bens pessoais utilizados para pagamento de obrigações devidas pela empresa.

Com a decisão, o relator reformou sentença que havia desconsiderado a personalidade jurídica da sociedade para responsabilizar os proprietários pelo pagamento de verba de sucumbência em ação judicial.

Segundo o desembargador, não há provas suficientes para justificar a medida. “Fica revista a decisão, isto porque banalizar o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, para além de representar risco do próprio negócio empresarial, inverteria o ônus da prova, de mera presunção relativa, para aquela absoluta, mediante o uso da personalidade jurídica, fato inocorrente.”

 Agravo de Instrumento nº 2054990-19.2014.8.26.0000

 Fonte: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Aprovado limite para responsabilização de sócio de empresa

A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania aprovou há pouco proposta que limita o procedimento de declaração judicial de desconsideração da personalidade jurídica – meio pelo qual se pode cobrar dos sócios ou responsáveis obrigações que uma empresa não pode cumprir.

Como a proposta tramita em caráter conclusivo, ela segue para o Senado caso não haja recurso para análise pelo Plenário.

O texto aprovado é um substitutivo da Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio que unifica o Projeto de Lei 3401/08, do deputado Bruno Araújo (PSDB-PE) e o Projeto de Lei 4298/08, do ex-deputado Homero Pereira. Ambos os textos estabelecem regras para a desconsideração jurídica.

A desconsideração da personalidade jurídica permite que os bens particulares de sócios ou administradores sejam usados para pagar obrigações da empresa quando ficar caracterizada a ocorrência de manobras ilícitas, por parte dos proprietários das empresas, para não pagar os credores.

Hoje, apesar de a possibilidade ser prevista em lei, não há um trâmite específico para ela.

O projeto institui um rito procedimental para a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica e assegura o prévio direito ao contraditório em hipóteses de responsabilidade pessoal do sócio por dívida da empresa.

Prazo para defesa
O relator, deputado Danilo Forte (PMDB-CE), apresentou uma complementação de voto para alterar de 10 para 15 dias após a intimação para os sócios da empresa apresentarem defesa ao instaurar a desconsideração.

Segundo ele, a mudança foi feita para adequar o texto ao novo Código de Processo Civil (CPC – PL 8046/10)  aprovado há Câmara no final de março.

Parlamentares do PT criticaram o projeto. O deputado Luiz Couto (PT-PB) afirmou que o texto é “desnecessário” porque eventuais abusos de juízes são rapidamente corrigidos em grau recursal. “A desconsideração é instrumento de garantia dos credores e isso será relativizado com o projeto”, disse.

Forte defendeu o texto e disse que a medida dá segurança jurídica aos investidores. “O que não queremos é o autoritarismo, é a forma como as coisas acontecem sem o direito de defesa no litígio pelos empreendedores”. Segundo ele, a falta de regras atuais para a desconsideração da personalidade jurídica é um “entulho” que amedronta os investimentos.

Na opinião do deputado Décio Lima (PT-SC), o benefício econômico pode gerar um prejuízo para trabalhadores. “Essa matéria privilegia o mercado em detrimento do elo mais fraco. Não sai somente o entulho, mas a boiada junto”, afirmou.

Direito de defesa
O projeto determina a obrigatoriedade de se ouvir os réus; e a indicação, em requerimento específico, dos atos que motivem a responsabilização do sócio ou responsável pela empresa. Essa indicação deverá ser feita por quem propuser a desconsideração da personalidade jurídica ou pelo Ministério Público. Além disso, o juiz não poderá decidir a questão antes de assegurar o amplo direito da defesa.

Segundo o projeto, sócios ou administradores terão o direito de produzir provas, e o juiz só poderá decretar a desconsideração da personalidade jurídica depois de ouvir também o Ministério Público.

Caso seja decretada a medida, ela não poderá atingir os bens particulares dos membros, instituidores, sócios ou administradores que não tenham praticado ato abusivo em prejuízo dos credores da pessoa jurídica e em proveito próprio.

Administração pública
Pelo texto, as decisões da administração pública sobre desconsideração da personalidade jurídica também ficam sujeitas a decisões judiciais. Pela legislação atual, um processo administrativo poderia ter como conclusão a mesma desconsideração que a judicial, sem os procedimentos elaborados na nova proposta.

Fonte: Agência Câmara

Desconsideração da personalidade jurídica atinge sociedade em que mãe e filha dividem cotas

Não é possível afastar a responsabilidade de um dos sócios quando se trata de sociedade familiar, na qual mãe e filha detêm cada uma 50% do capital social votante, se não ficou comprovado na demanda quem atuou como gerente ou administrador da empresa.
A decisão é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar recurso em que uma das sócias, a filha, pedia para não figurar na demanda, com a alegação de que não tinha participado das decisões da empresa.
No caso, a filha ajuizou exceção de pré-executividade, após ser declarada a desconsideração da pessoa jurídica da empresa para satisfazer um cheque no valor de pouco mais de R$ 2.500. O Tribunal de Justiça de Sergipe (TJSE) considerou que a confusão patrimonial impunha a responsabilização de ambas.
Recurso no STJ
A filha sustentou em recurso ao STJ que o TJSE atribuiu interpretação extensiva ao artigo 50 do Código Civil de 2002, ao permitir a responsabilização de sócio que não era gerente ou administrador da sociedade.
A desconsideração da pessoa jurídica ocorre em situação excepcional, sendo necessária a presença do pressuposto específico do abuso da personalidade jurídica, com a finalidade de lesão a direito de terceiro, infração da lei ou descumprimento de contrato. Em resumo, é necessário ter presente a efetiva manipulação da autonomia patrimonial da sociedade em prol de terceiros.
O objetivo da medida é garantir o pagamento de dívidas da sociedade, mediante a constrição do patrimônio pessoal dos sócios ou administradores.
No processo analisado pela Terceira Turma, mãe e filha eram as únicas sócias da empresa.
Necessidade de prova
Segundo a relatora, ministra Nancy Andrighi, em uma organização empresarial modesta, em que mãe e filha figuram como únicas sócias, a titularidade de cotas e a administração são realidades que frequentemente se confundem, o que dificulta a apuração de responsabilidade por eventuais atos abusivos ou fraudulentos.
“Em hipóteses como essa, a previsão, no contrato social, de que as atividades de administração serão realizadas apenas por um dos sócios não é suficiente para afastar a responsabilidade dos demais”, disse a ministra. “Seria necessária, para afastar a referida responsabilidade, a comprovação de que um dos sócios estava completamente distanciado da administração da sociedade”, acrescentou.
Como no caso analisado pela Turma a discussão sobre a legitimidade começou em exceção de pré-executividade, que não admite dilação probatória, não foi possível produção de prova capaz de demonstrar que a filha não interferiu na administração da sociedade.
De acordo com a relatora, embora seja possível limitar a responsabilidade de sócio minoritário, afastado das funções de gerência e administração, que comprovadamente não concorreu para o desvio de finalidade ou confusão patrimonial, nesse caso se trata de sociedade modesta, que tem como únicas sócias mãe e filha, detendo, cada uma, 50% das cotas sociais, e, por isso, não é possível afastar a responsabilidade da filha.

Fonte: Site STJ