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O contrato de corretagem na compra e venda de imóvel e o pagamento da comissão pelo comprador

A comissão de corretagem nos contratos de aquisição de imóveis – prontos ou não, tem sido objeto de vários questionamentos perante os Órgãos de Defesa do Consumidor e no Poder Judiciário, em relação ao fato de muitas vezes atribuírem ao adquirente a responsabilidade pelo seu pagamento.

Para a perfeita compreensão do tema, é necessário examinar o contrato de comissão de corretagem à luz da lei, doutrina e jurisprudência.

Dentre os vários conceitos do contrato de corretagem destaca-se o de Gustavo Tepedino que afirma: 

“A doutrina identifica o contrato de corretagem com a mediação, que se caracteriza pela atividade de aproximação de duas ou mais partes com vistas à conclusão de um negócio de compra e venda.” (Temas de Direito Civil, Rio de Janeiro, Ed. Renovar, 1999, p. 122).

O contrato de corretagem encontra previsão nos artigos 722 a 729 do Código Civil, a saber:

Art. 722. Pelo contrato de corretagem, uma pessoa, não ligada a outra em virtude de mandato, de prestação de serviços ou por qualquer relação de dependência, obriga-se a obter para a segunda um ou mais negócios, conforme as instruções recebidas.

Art. 723.  O corretor é obrigado a executar a mediação com diligência e prudência, e a prestar ao cliente, espontaneamente, todas as informações sobre o andamento do negócio.

Parágrafo único.  Sob pena de responder por perdas e danos, o corretor prestará ao cliente todos os esclarecimentos acerca da segurança ou do risco do negócio, das alterações de valores e de outros fatores que possam influir nos resultados da incumbência.

Art. 724. A remuneração do corretor, se não estiver fixada em lei, nem ajustada entre as partes, será arbitrada segundo a natureza do negócio e os usos locais.

Art. 725. A remuneração é devida ao corretor uma vez que tenha conseguido o resultado previsto no contrato de mediação, ou ainda que este não se efetive em virtude de arrependimento das partes.

Art. 726. Iniciado e concluído o negócio diretamente entre as partes, nenhuma remuneração será devida ao corretor; mas se, por escrito, for ajustada a corretagem com exclusividade, terá o corretor direito à remuneração integral, ainda que realizado o negócio sem a sua mediação, salvo se comprovada sua inércia ou ociosidade.

Art. 727. Se, por não haver prazo determinado, o dono do negócio dispensar o corretor, e o negócio se realizar posteriormente, como fruto da sua mediação, a corretagem lhe será devida; igual solução se adotará se o negócio se realizar após a decorrência do prazo contratual, mas por efeito dos trabalhos do corretor.

Art. 728. Se o negócio se concluir com a intermediação de mais de um corretor, a remuneração será paga a todos em partes iguais, salvo ajuste em contrário.

Art. 729. Os preceitos sobre corretagem constantes deste Código não excluem a aplicação de outras normas da legislação especial.

Logo se verifica que não existe na lei a estipulação sobre a forma e valor de remuneração do corretor e a atribuição da responsabilidade da comissão a quaisquer dos contratantes.

E nos parece que tal “omissão” foi deliberada pelo legislador para permitir a livre autonomia contratual das partes nesta relação, reconhecendo-se como indevida a intervenção estatal na questão que pode variar de acordo com várias circunstância que envolvem a negociação e compra de bem imóvel.

Ora, se a lei nada prevê prestigiando a liberdade contratual, nada impede que conste do ajuste contratual que caberá ao adquirente o pagamento da comissão, sendo essa previsão aceita.Embora a obrigação de pagar a comissão de corretagem seja tradicionalmente imputada ao vendedor, não há dispositivo legal determinando-lhe a providência, logo, pode ser livremente convencionado pelas partes.

E se houver ajuste entre as partes sobre o pagamento da comissão e disposição contratual prevendo o pagamento pelo comprador, não há o que rever ou restituir. Esse é o entendimento majoritário doTribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, conforme os seguintes julgados:

“INDENIZATÓRIA. CONSUMIDOR. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. COMISSÃO DE CORRETAGEM. VERBA DEVIDA PELO COMPRADOR, NO CASO CONCRETO. INEXISTÊNCIA DE FALHA NO DEVER DE INFORMAÇÃO. PACTUAÇÃO EXPRESSA NO CONTRATO, SEGUIDA DE ASSINATURA DE RECIBO ESPECÍFICO SOBRE A RUBRICA, PASSADO NO ATO DO PAGAMENTO, EVIDENCIANDO A ANUÊNCIA COM O PROCEDIMENTO ADOTADO PELA VENDEDORA. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO.” (Recurso Cível Nº 71004311353, Segunda Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Fernanda Carravetta Vilande, Julgado em 10/07/2013 – grifou-se) 

 

 

“APELAÇÃO CÍVEL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. COMISSÃO DE CORRETAGEM. PAGAMENTO. CONTRATO PREVENDO SER ÔNUS DO COMPRADOR. SENTENÇA REFORMADA. De regra, a comissão de corretagem é paga pelo promitente vendedor. Porém, havendo autorização contratual expressa de que a responsabilidade pelo pagamento é do comprador, não há falar na restituição de valores requerida pelos demandantes. APELO PROVIDO. (Apelação Cível Nº 70053578621, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gelson Rolim Stocker, Julgado em 06/06/2013 – grifou-se)

 

Esse entendimento não se altera mesmo na hipótese em que o promitente comprador busca, em razão de culpa do vendedor, o desfazimento do negócio e restituição dos valores pagos, conforme os seguintes julgados:

 

“APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. DIREITO DO CONSUMIDOR. CONTRATOS DE CONSUMO. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. COMISSÃO DE CORRETAGEM. A comissão por intermediação imobiliária é lícita e não se justifica pretensão de repetição por indébito quando a ela obrigou-se o promitente comprador. DANO MORAL. DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL. DEMORA NA ENTREGA DE IMÓVEL. A compensação por dano moral exige prova de ato ilícito, demonstração do nexo causal e dano indenizável que se caracteriza por gravame ao direito personalíssimo, situação vexatória ou abalo psíquico duradouro e que não se justifica diante de transtornos ou dissabores da relação jurídica civil. – O descumprimento contratual que dá causa à rescisão, restituição de valores e perdas e danos não é suficiente por si só à caracterização do dano moral indenizável. RECURSO DESPROVIDO.” (Apelação Cível Nº 70057211971, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: João Moreno Pomar, Julgado em 27/02/2014 – grifou-se)

 

“APELAÇÃO CÍVEL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. RESCISÃO DE CONTRATO CLÁUSULA PENAL. COMISSÃO DE CORRETAGEM. PREQUESTIONAMENTO. CLÁUSULA PENAL: Ocorrendo a rescisão do contrato de promessa de compra e venda de imóvel a prestação, por culpa do promitente vendedor, tem o promissário-comprador direito à restituição das prestações pagas na sua integralidade. Sentença reformada. COMISSÃO DE CORRETAGEM: A retenção de valor correspondente a comissão de corretagem está prevista em contrato (cláusula 4.2). O valor foi pago diretamente a terceira pessoa, fato esse esclarecido no momento da venda, não incorporando ao patrimônio da ré e não se tratando de adiantamento no negócio. Descabida a indenização. COTAS CONDOMINIAIS: Mesmo havendo previsão contratual que as cotas condominiais seriam de responsabilidade do promitente comprador após o habite-se, mostra-se devida a restituição dos valores pagos, porquanto a autora sequer foi imitida na posse do imóvel. DANOS MORAIS: Os eventos ocorridos não permitem o deferimento do pedido de indenização por dano moral. Sequer veio aos autos provas de qualquer constrangimento sofrido pela parte autora. HONORÁRIOS: Redistribuídos. PREQUESTIONAMENTO: Não se negou vigência a qualquer dispositivo constitucional ou infraconstitucional. DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO.” (Apelação Cível Nº 70050578566, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eduardo João Lima Costa, Julgado em 25/09/2012 – grifou-se)

 

“Ação de resolução contratual de contrato de compra e venda de imóvel. Atraso na entrega da obra. Responsabilidade da construtora. Devolução dos valores pagos. Descabimento de parcelamento. Multa contratual. Ausência de julgamento ultra petita. Comissão de corretagem. O descumprimento do contrato por parte da promitente-vendedora justifica a resolução contratual e a devolução dos valores pagos pelos promitentes-compradores, acrescidos dos encargos contratuais e legais, sendo incontroversa a entrega da obra com atraso superior aos 180 dias permitidos pelo contrato, não demonstradas causas efetivamente imprevisíveis a justificar o atraso na entrega. Devolução parcelada dos valores pagos incabível, considerando que o valor pago já se incorporou ao patrimônio da promitente-vendedora, que terá a unidade para negociá-la novamente. A multa contratual se justifica pela resolução do contrato por descumprimento por parte da construtora, e, de qualquer modo foi objeto de pedido na petição inicial, inexistindo decisão ultra petita. A multa contratual aplicada pela sentença se trata de cláusula penal previamente estipulada para o caso de atraso, a qual constitui elemento que satisfaz o dano causado em função do risco assumido, no contexto da promessa de compra e venda de imóvel na planta. Inaplicável a penalidade prevista na cláusula 8.3, letra `b do instrumento contratual, pois se trata de cláusula penal prevista para o caso de descumprimento do contrato por inadimplência por parte do comprador. A comissão de corretagem se trata de honorários profissionais de intermediação, pagos ao corretor, e o respectivo valor não se integra ao preço do imóvel, especialmente porque o provimento atingiria terceiro alheio às partes litigantes. Verba honorária que merece ser majorada. (Apelação Cível Nº 70046410379, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Cini Marchionatti, Julgado em 14/12/2011 – grifou-se)

Porém, tem se entendido que revela-se abusiva a cobrança de comissão de corretagem no âmbito do “Programa Minha Casa Minha Vida”. Nesse sentido, já decidiu o Egrégio Tribunal de Justiça:

“Ação de repetição do indébito. Compra e venda de imóvel. Programa governamental de habitação denominado Minha Casa Minha Vida. Comissão de corretagem. Cobrança indevida. O Programa Minha Casa Minha Vida gerido pelo Ministério das Cidades e operacionalizado pela Caixa Econômica Federal, tem por finalidade criar mecanismos de incentivo à produção e aquisição de novas unidades habitacionais ou à requalificação de imóveis urbanos, ou seja, é um programa de incentivo à aquisição de casa própria ou de moradia, que beneficia famílias de baixa e média renda, caracterizando-se um desvirtuamento das regras do Programa a cobrança da comissão de corretagem, especialmente levando em conta que o custo das unidades habitacionais abrange todas as despesas necessárias para a viabilização econômica da obra, inclusive o chamado custo de comercialização. O que existe, no caso, é a imposição ao comprador de assumir o alto custo de uma assessoria imobiliária como condição para a celebração do negócio principal que é a compra e venda do imóvel, induzindo em erro o consumidor que acredita estar quitando a entrada do imóvel desejado, com a finalidade de garantir a sua reserva, o que fere o princípio da boa-fé, porque flagrantemente abusivo, situação evidenciada pelo fato de que o contrato de corretagem e o pagamento da respectiva comissão se deu seis meses antes da celebração do contrato de compra e venda firmado com o agente financeiro.” (Apelação Cível Nº 70053584140, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Cini Marchionatti, Julgado em 22/05/2013 – grifou-se)

Da mesma forma, é verdade que existe diversos atos administrativos (p. ex. circulares, resoluções, etc.) dos respectivos conselhos de classe estaduais de corretores de imóveis com recomendações sobre o percentual da comissão, obrigação do pagamento pelo vendedor, entre outras. Todavia, tais normas não passam de mera orientação, não tendo força de lei, limitando-se a vincular apenas os respectivos corretores com o órgão de classe (CRECI).

Oportuno, ainda, trazer a conclusão do prof. Sylvio Capanema de Souza (renomado jurista e Desembargador aposentado do TJ/RJ) sobre a questão aqui examinada em parecer encomendado por grandes empresas de intermediação de imóveis no Rio de Janeiro (extraído da internet no link http://www2.lopes.com.br/multimidia/juridico/CAPANEMA_SYLVIO_Comissoes_adquirente.pdf),:

 “a)  à luz da legislação civil e consumerista não há qualquer ilicitude na sistemática adotada pelo incorporador e as empresas corretoras, objetivando o pagamento das comissões devidas aos que atuaram na intermediação das vendas;

b)    o regime jurídico adotado pelo atual Código Civil, para disciplinar o contrato decorretagem, não impede que se transfira ao comprador do imóvel o ônus do pagamento da comissão do corretor, desde que haja sua inequívoca anuência, já que o tema se insere no território fértil da autonomia privada;

c)    a anuência dos compradores decorre da inexistência de protesto, rejeição ou ressalva, e da interpretação do contrato segundo a teoria da vontade, e daemissão dos cheques por eles entregues aos corretores, nos valores e destinatários indicados na  planilha que lhes foi previamente fornecida;

d)    não se caracteriza, sob a ótica do direito consumerista, abusividade ou ilicitude na prática adotada pelas partes tendo sido respeitados os princípios da informação, do equilíbrio econômico das prestações e da boa-fé objetiva;

e)    viola o princípio da boa-fé objetiva pleitear, ainda mais em dobro, a devolução do que foi pago aos corretores, sem qualquer protesto, traduzindo a figura do “venire contra factumproprium”, também conhecida como teoria da vedação de comportamentos contraditórios, o que acarreta insegurança jurídica, ferindo de morte a estabilidade dos contratos, que é um dos pilares de sustentação do equilíbrio social;

f)    como se não bastasse, a devolução, se viera ser determinada, judicialmente, traduzirá enriquecimento indevido dos compradores, que, ao final, teriam pago pela unidade menos do que o preço total por eles aceito e jamais excedido;

g)    a sistemática pactuada não causou prejuízo a qualquer das partes envolvidas no negócio, permitindo a realização da justiça contratual, decorrente do princípio da função social e da autonomia privada, razão porque não se justifica sua desconstituição ou modificação;

h)    não logrando o comprador provar a existência de vício antecedente ao nascimento do contrato, conducente à sua anulação, nemfato superveniente, capaz de romper, significativamente seu alicerce econômico, tornando-o excessivamente oneroso, não se pode admitir a incidência das teorias revisionistas dos negócios jurídicos, com base nos artigos 6°, inciso V do código de Defesa do Consumidor e 478 do Código Civil.”

Por fim, destaco que a comissão de corretagem é despesa que compõe o custo na apuração do preço do imóvel. Então se no momento da contratação o valor do imóvel é 100 mil e 6 mil são de comissão, nada interfere ou prejudica o comprador o fato do valor da comissão ser pago diretamente ao corretor pelo comprador.

 É como penso.

Autor: Sergio Eduardo Martinez (OAB/RS 32803)

sergioeduardo@martinezadvocacia.com.br

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O Código de Defesa do Consumidor e o Direito Imobiliário – Reflexos da sua aplicação aos litígios decorrentes dos contratos imobiliários

sintese*Artigo publicado na Revista Síntese de Direito Imobiliário, nº18, de Nov/Dez de 2013.

 

  1. INTRODUÇÃO

 O objetivo desse ensaio é examinar algumas questões controvertidas nos Tribunais, sobre a aplicação do Código de Defesa do Consumidor (Lei Federal nº 8.078/90), aos contratos de aquisição de imóveis.

 As políticas públicas de incentivo a indústria da construção civil implementadas pelo Governo Federal nos últimos anos tem acarretado o lançamento de inúmeros empreendimentos imobiliários, tanto para uso residencial como comercial ou até como forma de investimento, fazendo crescer os casos trazidos ao Poder Judiciário.

 A multiplicação na comercialização de imóveis através de financiamentos diretos com as construtoras ou através de agentes financeiros trouxe aos Tribunais diversas questões polêmicas como, por exemplo: é cabível a incidência do CDC aos contratos de aquisição de imóveis? Os contratos de compra e venda de imóveis firmados com incorporadoras e construtoras são considerados contratos de adesão? Qual é o prazo de responsabilidade do construtor por defeitos no imóvel? É possível a ação de resolução contratual e devolução de quantias pagas pelo promitente comprador inadimplente? A devolução dos valores pagos deve ser integral ou parcial? É possível a revisão contratual das cláusulas contratuais de atualização monetária, juros incidentes e demais encargos?    

Essas são algumas questões que pretendemos examinar e debater, buscando trazer o entendimento jurisprudencial sobre essas questões e a solução justa e legal para esses problemas.

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