O cenário do Direito Aduaneiro no Brasil

Nas últimas décadas, as relações comerciais internacionais aumentaram em ritmo acelerado, consolidando o fenômeno de globalização e levando o Direito Aduaneiro a enfrentar hoje uma situação paradigmática. Se, por um lado, o mercado constrange os controles aduaneiros para a simplificação, por outro, os desafios relativos à segurança das nações e ao combate dos ilícitos obriga os Estados a realizarem maior controle. Além disso, o bem jurídico a ser tutelado, que até o início do século passado consistia praticamente só na arrecadação ao erário, altera-se e, atualmente, deve corresponder a múltiplos interesses.

O Brasil nunca ocupou lugar de destaque no comércio mundial, pelo contrário, ao longo de sua história viveu, sobretudo, períodos de isolamento e ostracismo, com lapsos de abertura para o comércio com o exterior. Somente em 1990 iniciamos um período de desobstrução e modernização de nossa economia.

Assim, quando voltamos nosso olhar para o Direito Aduaneiro neste país, devemos observar que a aduana brasileira é uma organização sui generis. Diferente do modelo majoritariamente adotado no mundo, onde a alfândega é uma agência pública independente, a Aduana brasileira é uma subsecretaria que está submetida a uma secretaria – cuja atribuição principal é a gestão e execução das atividades que visam à arrecadação dos tributos – vinculada ao Ministério da Fazenda. Já o quadro normativo brasileiro está baseado em pressupostos e princípios alicerçados em conceitos do final do século XIX, e a sua principal norma, ainda é o Decreto-Lei n. 37/1966.

As autoridades que ditam a política de comércio exterior no Brasil parecem ainda não ter se apercebido deste contexto. O que se evidencia pelo anacronismo legislativo e pela setorização das operações aduaneiras, propiciadas por uma estrutura esdrúxula que separa as atividades exercidas tipicamente pela aduana entre três órgãos ministeriais: o Ministério da Defesa, responsável pelo controle das fronteiras; o Ministério da Fazenda, que detém a “aduana” enquanto órgão de execução da legislação; e o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, que determina as políticas aduaneiras.

Analisando este quadro resulta impossível falar em Direito Aduaneiro brasileiro, pois podemos inferir que, hoje, não existe sequer uma aduana brasileira, se tivermos como pressuposto a ideia de uma instituição moderna, com rumo ditado por estratégias de Estado baseadas nos princípios constitucionais.

Para explicar o cenário brasileiro lançamos mão do mito da Quimera e apresentamos a aduana como um monstro semelhante àquele mitológico, só que a cabeça de leão foi substituída por duas cabeças - COANA e SECEX -; no lugar do corpo de cabra, tem sua estrutura composta por uma infinidade de órgãos que possuem diversas competências; ao invés que cuspir fogo, despeja sem parar todo o tipo de norma aduaneira; e, por fim, sua cauda, embora não seja de dragão, é formada por um ordenamento jurídico, nem sempre ordenado, que desfere golpes aleatórios para todos os lados, atingindo, na maioria das vezes, operadores econômicos que só tentam realizar legalmente suas operações e, não obstante, causando poucos danos àqueles que praticam ilegalidades, infrações ou crimes aduaneiros.

Frequentemente, o (pseudo)sistema jurídico-aduaneiro brasileiro conduz o legislador, as autoridades administrativas, o operador econômico, o advogado, o juiz, a um profundo estado de angústia quando o tema a ser afrontado é relativo ao Direito Aduaneiro. Define-se o remédio, dá-se uma “solução” e segue-se adiante ignorando a causa do problema. Agora, como imaginar que este remédio possa “curar a doença”, se a origem continua sendo desconhecida?

Autora: Patrícia Garcia da Rosa, Advogada, Doutora em Direito Europeu pela Università Degli Studi Roma Tre – Itália, Despachante Aduaneira, sócia fundadora da Brasportsul Serviços Aduaneiros Ltda.

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