A “locação” de imóveis de Entes Públicos

Para o cidadão comum, isto é, sem formação jurídica, talvez seja irrelevante ajustar a locação de imóvel de propriedade de pessoa jurídica (ou física) e de entes públicos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios). Porém, são situações que do ponto de vista jurídico ensejam consequências totalmente diversas, frustrando, muitas vezes, expectativas e intenções antecedentes a contratação.

A chamada Lei de Locações ou do Inquilinato – Lei Federal nº 8.245/91, não é aplicável quando o imóvel locado for de propriedade da União, dos Estados e dos Municípios, de suas autarquias e fundações públicas (cf. art. 1º, parágrafo único, letra “a”, 1).

Nessa hipótese, a lei aplicável será o Código Civil (arts. 565 a 578) ou outra legislação especial.

Desde logo é bom que fique claro que só não é aplicável a Lei de Locações quando o Ente Público estiver alugando um bem público (como locador), mas incide quando estiver alugando um imóvel privado (como inquilino). 

Em relação as locações de imóveis da Administração Pública Direta (União, Estados e Municípios), parece não haver dificuldades. O problema surge quando envolvem as ditas autarquias e fundações públicas.

Assim, é necessário esclarecer os conceitos de autarquia e fundações públicas para melhor compreensão. A autarquia é uma pessoa jurídica de direito público criada para fim de auxiliar a administração pública estatal, de forma autônoma e descentralizada. Possui patrimônio e receita próprios, porém, tutelados pelo Estado, sendo exemplos o BACEN, INSS e ANATEL (Federais) e DETRAN (Estadual). Já a Fundação Pública, embora também atue como auxiliar da administração pública estatal, inclusive de forma autônoma, são organizações criadas para um fim específico de interesse público, como educação, cultura e pesquisa, sempre merecedoras de um amparo legal, sendo exemplo as Universidades Públicas, FUNAI e IBGE.

A bem da verdade, do ponto de vista técnico-jurídico, a cessão de uso e gozo de imóvel de Ente Público mediante remuneração, é concessão (ou permissão) de uso, sujeitando-se a legislação própria e contrato ou ato administrativo próprios.

Porém, a distinção para fins de aplicação ou não da Lei de Locações nem sempre é muito clara e tal situação pode ocasionar, por exemplo, na dúvida sobre o direito de renovação compulsória do contrato (com base na lei de locações) ou não e até permitir o desfazimento prematurodo ajuste (antes do término do prazo ajustado) em razão da prevalência do interesse público em detrimento do interesse privado. Por exemplo o rompimento do contrato para a construção de hospital, creche ou escola e até via pública.

Essa situação foi recentemente analisada no Superior Tribunal de Justiça que negou provimento ao recurso especial nº 1224007,interposto pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), que buscava afastar a aplicação da Lei 8.245/91 (Lei do Inquilinato) na renovação de aluguel de lojas comercias de sua propriedade, por se tratar de contrato firmado com empresa pública.

O relator, ministro Luis Felipe Salomão, afirmou “nos termos do artigo 173, parágrafo 1º, da Constituição Federal, bem como do Decreto-Lei 200/67, as empresas públicas são pessoas jurídicas dotadas de personalidade jurídica de direito privado, que, ressalvadas as hipóteses constitucionalmente previstas, sujeitam-se ao regime jurídico de direito privado”.

Além disso, afirmou: “Sendo o imóvel locado bem de natureza privada, de titularidade de empresa pública, que se sujeita ao regime jurídico de direito privado, é de natureza privada, e não administrativa – submetido, deste modo, à Lei de Locações –, o contrato firmado entre as partes”, concluiu Salomão. 

Assim, a inaplicabilidade da Lei de Locações, poderá afastar direito a renovação compulsória em favor do locatário, revisão do aluguel após 3 (três) anos de locação, direito de preferência na aquisição, entre outras situações.

Em consequência, o inquilino de imóvel pertencente a União, Estados, Municípios, não possui os mesmos direitos por não estar amparado pela Lei de Locações. É recomendável, portanto, que no momento da contratação avalie os riscos e benefícios dessa condição para que não ocorra a frustração de planos e expectativas.

Autor: Sergio Eduardo Martinez (OAB/RS 32803)

sergioeduardo@martinezadvocacia.com.br

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